quarta-feira, 1 de julho de 2009

Acontece que...

O que acontece? Quando ainda estão no carro, voltando de um jantar com amigos, já aparecem os comentários: “Bebi muito”; “Deu um sono”; “Amanhã tenho um dia tão difícil...” E nem deu meia-noite. É o código. Hoje não rola. Como ontem, como antes...



Cruzam a garagem rapidamente, atacados pela corrente de vento gelado. Nem encaram o porteiro. No elevador, cada um num canto. Ele quem aperta o botão do andar. Sempre é ele quem aperta, ela reparou. Ele quem comanda. Gosta de. Ele quem dirige, atende o interfone, pega o jornal às manhãs, decide as férias, se está frio, se devem trocar de carro, de aparelhos de tevê, DVD, MP3.

Não estão nada bêbados. Poucas taças. Entram em casa e se separam. Cada um tem o seu ritual de dispersão, encerrar o dia, organizar, recolocar. Ela checa os emails e a ração para os gatos. Ele lista os afazeres da empregada, fica pouco tempo no banheiro, se joga na cama e liga a tevê.
Ela ainda toma um banho. Gasta alguns minutos se lambuzando com cremes. Checa cutículas indesejáveis, passeia os olhos pelo espelho de corpo inteiro: a frente e as costas, os cotovelos e as pernas. Seca o cabelo com um secador barulhento- o síndico irá reclamar um dia.

Entra no quarto. Ele dorme com o controle remoto na mão. Ela desliga apertando o botão da própria tevê, desliga o abajur, vai para o seu lado da cama e se deita no escuro. Coloca um travesseiro entre as pernas. Escuta um caminhão ao longe. Amanhã tem feira. A criança do vizinho chora, e um alarme dispara.

Um está e costas para o outro. Dorme? Não, porque ele ainda diz: “Boa noite”. Ela responde com um grunhido simpático, fica ainda um bom tempo de olhos abertos. E se pergunta: O que acontece?

Acontece que, estranhamente, ela precisa de colo. Que ela não sente mais aquele frisson quando cruza a garagem do prédio. Porque não o provoca mais no elevador, ignorando a câmera, desabotoando a camisa dele, esfregando o joelho nele, apalpando-o, assim que ele aperta o botão.

Acontece que eles não se beijam mais quando entram em casa, não escutam uma música no escuro, que ela não senta no colo dele diante do computador, nem tomam banhos juntos. Acontece que ela não olha mais para o espelho para checar o que irá mostrar daqui a pouco, nem planeja como entrar no quarto, para se oferecer enrolada numa toalha, engatinhar pela cama, roçar o nariz na perna dele, lamber do umbigo até a boca, deitar sobre ele como um cobertor, morder o seu pescoço, sua nuca, seu ombro.

Acontece que ela não apagaria aquela tevê, nem a luz, nem a noite. E ele nem diria boa noite, mas bem-vinda. E depois de tudo, sim, dormiriam pesadamente; nenhum alarme, criança ou caminhão seriam notados.

Acontece que ela acordaria, e ele estaria ainda na cama. Acontece que ele não comenta mais a cor da sua calcinha, do seu esmalte, dos seus olhos. Acontece que ele não a elogia mais, não surpreende, não desafia, nem provoca, não confunde as palavras, nem engasga quando ela aparece de toalha, não corre mais atrás dela, não a acorda em cima dela, como uma manta, não abraça como uma toalha, não abriga como água quente.

Acontece que ele já saiu, quando ela se levantou da cama de manhã. Nenhum post está fixado, com algum carinho escrito. Nem rascunho de bilhete existe. Ele não irá mandar um torpedo do trabalho, nem um email.

Acontece que há tempos não repartem um cigarro, não se perdem por uma estrada de terra, não discutem se o que veem é um disco voador ou um satélite espião russo. Acontece que ele não a espia mais pelo buraco da fechadura, não tira fotos dela se enxugando no espelho, não dá sustos quando ela tem soluços, não beija os seus pés, não conta as suas pintinhas, não canta em voz alta pela casa, não a acorda lambendo a orelha dela.

Acontece que há muito não saem os dois sozinhos, e entram num filme sem saber o que a crítica achou. Sem lerem os créditos, sentados na última fileira, se tocando, se beijando. Acontece que eles não repartem mais a pipoca, o refrigerante zero, o drops. Acontece que o diferente virou eventual, a rotina, habitual. Que todo desconhecido já se revelou, que a surpresa é predita, que o consumado é fato, o previsível, farto, e o pressuposto, preposto.

O que acontece é que ela sente falta de ser notada e elogiada dentro de casa. De ter calafrios. De sentir a pele esquentar. Acontece que ultimamente ela se veste para ninguém. Que ela nem liga mais rádio do carro. Que não a comove o xaveco no elevador do escritório. Que só troca emails de trabalho. Que ela almoça massa, se entope de pão e ainda se delicia com sorvete com caldas. E agora costuma pedir chantilly no café.


O que acontece com ela, que nem tinge mais o cabelo, falta à natação, não corre com as amigas, não compra sapatos, não troca a lente dos óculos riscada, não recebe mensagens românticas pelo celular?



Acontece que o incêndio se acomodou. Ela não se pergunta se é assim que tem que ser. Acontece. É cíclico, ouviu dizer. Pode ser que melhore. Por que perder o fôlego toda vez que o encontra? Já passou. Viva outra fase. Afaste essa vaidade. Não seja carente. Encare os fatos. A vida é assim. É?
(Marcelo Rubens Paiva)

Mais uma vez, o MARCELO me arranca suspiro com os seus textos.
Como é divino e contagiante a forma em que ele trata de assuntos 'corriqueiros'. Assuntos que, pelo cotidiano, engolimos por 'osmose' e que lá no fundo, deixa um vácuo.
As vezes, nos deixamos levar pelas ondas da vida (sem 'bater o pé'), por puro comodismo... pelo receio constante de arriscar...O 'novo' da MEDO! confessamos/ Confesso;
Quando o M.R.P se questioona na frase final do texto : "A vida é assim. É?", ele nos cutuca também... instiga, incita, inspira!
Será que estamos onde estamos por querer MESMO? Ou estamos por estar, estando...?
Concluo:
...estando.

domingo, 10 de maio de 2009


.




Não é
ignorar os
fatos...
Fingir esquecê-los.
Mas fazer a soma dos desagravos, greves e desapegos, uma força constante dentro de nós!
Nunca esqueça que nem sempre precisamos do que achamos ser essencial,
mas daquilo que já temos.. E é só uma questão de ouvir com outros olhos.

PS: Lugarzinho esquecido por um tempo esse aqui.
Tentando justificar a minha falta de tempo...e não o esquecimento!
Beijos coloridos aos viajantes que caem por aqui de vez enquando.

sexta-feira, 17 de abril de 2009



Recebi este texto que tem todas as palavras que quero (te)/(vos) dizer...

"Eu queria sair por aquela porta e conhecer alguém. Assim, sem precisar procurar no meio da multidão. Alguém comum, sem destaques evidentes, sem cavalos brancos ou dentes perfeitos. Alguém que soubesse se aproximar sem ser invasivo ou que não se esforçasse tanto para parecer interessante. Alguém com quem eu pudesse conversar sobre filosofia, literatura, música, política ou simplesmente sobre o meu dia. Alguém a quem eu não precisasse impressionar com discursos inteligentes ou com demonstrações de segurança e autoconfiança. Alguém que me enxergasse sem idealizações e que me achasse atraente ao acordar, de camisa amassada e sem maquiagem. Alguém que me levasse ao cinema e, depois de um filme sem graça, me roubasse boas gargalhadas. Alguém de quem eu não quisesse fugir quando a intimidade derrubasse nossas máscaras. Eu queria não precisar usá-las e ainda assim não perder o mistério ou o encanto dos primeiros dias. Alguém que segurasse minha mão e tocasse meu coração. Que não me prendesse, não me limitasse, não me mudasse. Alguém com quem eu pudesse aprender e ensinar sem vergonhas ou prepotências. Alguém que me roubasse um beijo no meio de uma briga e me tirasse a razão sem que isso me ameaçasse. Que me dissesse que eu canto mal e que eu falo demais e que risse das vezes em que eu fosse desastrada. Alguém que me olhasse nos olhos quando fala, sem me deixar intimidada. Que não depositasse em mim a responsabilidade exclusiva de fazê-lo feliz para com isso tentar isentar-se de culpa quando fracassasse. Alguém de quem eu não precisasse, mas com quem eu quisesse estar sem motivo certo. Alguém com qualidades e defeitos suportáveis. Que não fosse tão bonito e ainda assim eu não conseguisse olhar em outra direção. Alguém educado, mas sem frescuras; Engraçado e, ao mesmo tempo, levasse a vida a sério, mas não excessivamente. Alguém que me encontrasse até quando eu tento desesperadamente me esconder do mundo.

Eu queria sair por aquela porta e conhecer alguém imperfeito. Feito para mim. "


terça-feira, 10 de março de 2009

Notas de um observador:



"Existem milhões de insetos almáticos.
Alguns rastejam,
outros poucos correm.
A maioria prefere não se mexer.
Grandes e pequenos.
Redondos e triangulares,
de qualquer forma são todos quadrados.
Ovários, oriundos de variadas raízes radicais.
Ramificações da célula rainha.
Desprovidos de asas, não voam nem nadam.

Possuem vida, mas não sabem.
Duvidam do corpo, queimam seus filmes e suas floras.
Para eles, tudo é capaz de ser impossível.
Alimentam-se de nós, nossa paz e ciência.
Regurgitam assuntos e sintomas.

Avoam e bebericam sobre as fezes.
Descansam sobre a carniça, repousam-se no lodo, lactobacilos vomitados sonhando espermatozóides que não são.
Assim são
os insetos interiores.

A futilidade encarrega se de “mais tralos’.

São inóspitos, nocivos, poluentes.
Abusam da própria miséria intelectual,
das mazelas vizinhas,
do câncer e da raiva alheia.

O veneno se refugia no espelho do armário.
Antes do sono,
o beijo de boa noite.

Antes da insônia,
a benção.

Arriscam a partilha do tecido que nunca se dissipa: A família.
São soníferos, chagas sem curas.
Não reproduzem, são inférteis, infiéis, “infértebrados”.
Arrancam as cabeças de suas fêmeas,
Cortam os troncos,
Urinam nos rios
e
nas somas dos desagravos, greves e desapegos.
Esquecem-se de si.
Pontuam-se...
A cria que se crie, a dona que se dane.
Os insetos interiores proliferam-se assim:
Na morte e na merda.

Seus sintomas?
Um calor gélido e ansiado na boca do estômago.

Uma sensação de: o que é mesmo que se passa?

Um certo estado de humilhação conformada o que parece bem vindo e quisto.

É mais fácil aturar a tristeza generalizada,
que romper com as correntes de preguiça e mal dizer.

Silenciam-se no holocausto da subserviência
O organismo não se anima mais.
E assim, animais ou menos assim, Descompromissados com o próprio rumo.
Desprovidos de caráter e coragem,Desatentos ao próprio tesouro,caem....
Desacordam todos os dias,
não mensuram suas perdas e imposturas.
Não almejam, não alma, já não mais...
amor.
Assim são ...
os insetos interiores."

(Fernando Anitelli)


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Analogia perfeita...
com quem?
humanos! é, nós...
Aqueles que pensam...
que articulam... que tem o poder de gerar e acabar Vidas.

Acho incrível como o "mundo" está indo(desde que me entendo) por um caminho sujo...
onde os "espertos" obtem o auge... o tão sonhado Status.
Claro, que existem "insetos e insetos".
Logo...

Gente!!! cadê o ser HUMANO?
Onde se escondeu a nossa fé?

Onde está o coração-pulsante-errante-e-feliz
em meio a tantos
cérebros-pensantes-corretos-metódicos?

Eu AINDA digo e repito,
acredito que somos um tanto bem maiores e que
nada vale a pena,
se um pouco de nossa alma não estiver incluída no que fazemos.

Amem.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Coleciono promessas...

Vou juntando meus sonhos em latas.
Quero ter a imensidão em meus braços e mais ainda,
a felicidade em minhas mãos.
Viver de futuro... É isso que parece.
mas,
e se ele não chegar?
Se recusar a aceitar tantas juras ,planos e promessas, é uma opção dele.
Eu só espero que ele entenda que hoje,
agora,
minhas latas estão fechadas para balanço.

Ps: "solução é a solidão de nós"

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Sem sombra...

...de dúvidas,
essa sensação de "vácuo" é incrível...
A saudade tá viva!
Cheia de vida...
Latente ao ponto das lembranças serem os meus únicos pensamentos...
Meu único porto seguro!
Fico reamente pensando se todo esse sentimento, vale a pena...
"As pessoas são irreconhecíveis", disse um amigo.
Elas surpreendem .
Chego até dizer (neste caso) que não suporto surpresas!
Prefiro a previsibilidade do que o inusitado...
prefiro o beijo de boa noite e o bom dia aconchegante,
do que o "beijomeliga".
Receios são muitos,
diversos,
presentes...
Apenas quero viver de verdades,
todas as verdades possíveis!
E que um dia,
tudo isso seja ponte pra certeza!

prevaleça.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009